O Risco Ambiental enquanto Risco Sistêmico

Não pretendo adentrar nesse momento em qualquer discussão sobre a aplicação da teoria dos sistemas ao Direito Ambiental ou à Mediação, nem mesmo se a concepção expressada abaixo sobre o risco está ou não correta segundo a corrente filosófica A ou B. Contudo, me parece relevante esclarecer o conceito de risco sistêmico na forma como ele tem sido referido nos grandes fóruns de discussões ambientais, já que sua consideração é de notável relevância para a compreensão e resolução de conflitos surgidos nessa temática.

Elaborar um conceito único de risco ou mesmo compreendê-lo de maneira universal tem sido um dos maiores desafios de diversos ramos do conhecimento, especialmente em áreas relacionadas à sociologia, à psicologia, à filosofia e à economia. Deixarei para discutir o conceito de risco em um outro post (ou outros, já que será necessário apresentar esse conceito nas várias teorias que o suportam), limitando-me neste texto a diferenciar o risco comum do risco ambiental, então considerado como sistêmico.

De toda forma, para a compreensão deste texto, pode-se afirmar que qualquer risco está relacionado a um processo de tomada de decisões e, mais especificamente no espaço existente entre as ações possíveis e as efetivamente escolhidas[1] Além disso, restam perceptíveis alguns elementos que acabam por permear toda e qualquer teoria sobre risco. Um desses elementos é o impacto sobre os seres humanos decorrentes do resultado de uma determinada escolha. Outro é a possibilidade de ocorrência desses resultados, o que estaria muito relacionado à incerteza inerente ao processo de escolha.

A sociedade moderna continuamente se depara com uma série de riscos, consistentes na possibilidade de geração de consequências danosas aos interesses que preserva. Em alguns casos, tais danos, se acaso produzidos, podem gerar consequências restritas a apenas alguns indivíduos, sem maiores impactos à sociedade como um todo. Contudo, em diversos outros, tais consequências afetam verdadeiros sistemas e os danos produzidos podem configurar-se muito maiores ou mesmo desastrosos, como é a hipótese, por exemplo,  daqueles que afetam o equilíbrio ecológico, os mercados financeiros, a saúde. A esse segundo conjunto, convencionou-se chamar riscos sistêmicos.[2]

Tal nomenclatura decorre da capacidade das consequências nocivas de determinada atividade afetarem todo um sistema, sendo minimizadas ou potencializadas por diversos fatores que se inter-relacionam, como o desenvolvimento de novas tecnologias, eventos naturais, políticas públicas, e a própria viabilidade econômica de determinada sociedade, além de terem o condão de gerar efeitos tanto no plano nacional como em nível internacional.[3]

O risco ecológico é uma espécie de risco sistêmico, uma vez que, diante da contínua interação sinérgica existente os elementos integrantes do ecossistema, determinada intervenção humana sobre esses processos naturais pode afetar a própria resiliência do meio e, consequentemente, sua capacidade de autorregeneração e retorno à situação regular de equilíbrio.

O caso da diminuição da biodiversidade serve bem para ilustrar como determinadas ações podem gerar consequências que extrapolam bastante o âmbito do resultado esperado. Em 1990 estimou-se que cerca de 5.200 espécies de animais e 34.000 espécies de plantas estavam a ameaçados de extinção e alguns especialistas chegam a afirmar que em 2100 terão desaparecido entre um quarto e metade de todas as espécies existentes hoje.

O desflorestamento aparece como uma de suas grandes causas, tendo sido detectada, por exemplo, em países em desenvolvimento entre 1980 e 2008 a perda de 10% de toda a camada vegetal de suas florestas tropicais, estimando-se que, em 2020 outros 10% também já estariam perdidos. A poluição das águas, com a  ultra-exploração da atividade pesqueira e a introdução de espécies exóticas em determinados ecossistemas marinhos também se apresenta como causa da diminuição de sua biodiversidade, sendo verificada até 2008 a diminuição de 20% de todas as espécies marinhas. Por sua vez, a diminuição da fertilidade do solo, com a intensificação e a uniformização de cultivos, e o aumento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera também aparecem causas relevantes desse processo.

A diminuição da biodiversidade, por sua vez, diminui as possibilidades de interação sinérgica entre os elementos integrantes do ecossistema e, com isso, este passa a ter menor probabilidade de absorver perturbações, perdendo sua capacidade de resiliência e estabilidade. Com a impossibilidade de se adaptar a esses distúrbios, há um incremento de espécies invasoras e, da mesma forma, um aumento de doenças. Uma menor diversidade biológica, por sua vez, dificulta ou mesmo impossibilita a obtenção de material genético para pesquisa e produção de medicamentos para tratar novas e antigas doenças.

O caso das mudanças climáticas também serve para explicitar como essa reação sistêmica à acontecimentos a princípio isolados ou sem maior importância a primeira vista pode ocasionar consequências desastrosas e imprevistas. De fato, é possível perceber uma aumento de 0.6o C na temperatura do planeta no século XX. Com isso, verificou-se um aumento de 10 a 20 centímetro no nível médio dos oceanos e, desde 1960, uma diminuição de cerca de 10% da camada de neve dos polos. A maioria dos cientistas acredita que o processo de aquecimento global é causado principalmente pelo incremento de emissões de gases provocadores do efeito-estufa, em especial o dióxido de carbono, que, por sua vez, decorre das crescentes demandas por energia e transporte de uma sociedade em contínuo crescimento populacional e econômico.

Não obstante o incremento da temperatura média do planeta seja, de certa forma, mínima, este fenômeno climático tem sido causa de diversos outros de maior relevância para o homem, como o aumento da precipitação em determinadas áreas e o processo de desertificação de outras, tornando mais frequente a ocorrência de secas, enchentes, tempestades e ciclones. Além disso, o aumento da temperatura é visto como fator determinante na mudança do panorama sanitário mundial, já que há uma transformação das condições de sobrevivência de inúmeros vetores e outros organismos transmissores de infeções, ampliando a probabilidade de doenças endêmicas e importadas.[4]

A constante e, muitas vezes, imprevisível interação entre causas e efeitos da atividade humana sobre o ecossistema, bem como o potencial danoso passível de ser produzido, torna evidente a necessidade de se focar no estudo do elemento risco, especialmente pelo fato de que a percepção do risco entre diversos atores sociais tem sido uma das mais relevantes causas para a existência e para a escalada dos conflitos ambientais.

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[1] RENN, Ortwin, Risk Governance, London: Earthscan, 2008.

[2] LAHIDJI, Reza; ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, Emerging systematic risks in the 21st century : an agenda for action, Paris: OECD, 2003

[3] KLINKE, Andreas; RENN, Ortwin, Systemic risks: a new challenge for risk management, European Molecular Biology Organization Reports, v. 5, n. S1

[4] LAHIDJI; ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, Emerging systematic risks in the 21st century : an agenda for action.

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Responsabilidade Ambiental Compartilhada – Parte I

Uma reflexão importante e que muito tem a dizer sobre a efetividade com que resolvemos conflitos ambientais é aquela que analisa o próprio conteúdo do direito ao meio ambiente – ou, melhor dizendo – ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Os direitos de terceira dimensão, onde se insere esse tal direito ao meio ambiente, ao contrário do que ocorre com os direitos surgidos em dimensões anteriores, não se estruturam de forma a seguir os padrões dos tradicionais direitos subjetivos, definidos  pela doutrina clássica como meros interesses juridicamente protegidos (Jhering, 1946).

Tradicionalmente era muito clara a divisão entre o titular do direito, que poderia exigir determinada prestação, e aquele sobre o qual recairia o dever de prestar determinada obrigação, dicotomia que pautava todo o instrumental utilizado para a tutela desses direitos.

Após a segunda guerra mundial e com o advento dos direitos de terceira geração, como o direito ao desenvolvimento, à paz (não obstante alguns autores como Paulo Bonavides apresentarem o direito à paz no rol dos direitos de quinta dimensão) ou ao meio ambiente, verificou-se uma mudança nesse panorama, decorrente da própria natureza dos interesses que estariam sendo tutelados.

Desta forma, passam a surgir questionamentos sobre como enquadrar esses “novos direitos” dentro do instrumental clássico. Nesse contexto, seria possível indagar, por exemplo, quem seria o titular do direito ao desenvolvimento? Da mesma forma, haveria a possibilidade de alguém titularizar individualmente esse direito e exigir sua prestação de outra? De quem seria a obrigação de recompor o meio ambiente e quem teria direito a essa prestação? Seria possível dizer que determinada pessoa seja detentora do direito ao meio ambiente e capaz, por exemplo, de exigir que seus vizinhos recomponham as árvores que derrubara para construir seu novo quintal? Qual seria o foro de cumprimento do direito a paz, caso seu titular exigisse seu cumprimento?

Essas e outras perguntas deixam clara a mudança de paradigma que envolve esses direitos, os quais pressupõem interesses difusos, responsabilidades compartilhadas e mecanismos diferenciados de tutela. Continuaremos a discussão sobre essa responsabilidade compartilhada no próximo post, já que as consequências desse novo modelo trazem influxos bastante relevantes para a temática da utilização desses mecanismos chamados “alternativos” de solução de conflitos (já, já, trataremos especificamente dessa nomenclatura para classificar processos de solução consensual de disputas, como a mediação de conflitos).

 

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Cidadania Ambiental

O acúmulo de serviço na Promotoria e as pesquisas do doutorado têm me impedido de postar mais frequentemente. Porém outro dia vi uma pesquisa cujos resultados me chamaram bastante a atenção e sobre os quais não posso deixar de comentar.

Trata-se de uma pesquisa desenvolvida pela Secretaria de Articulação Institucional do Ministério do Meio Ambiente em parceria com o Instituto Synovate e o Walmart Brasil denominada “Sustentabilidade Aqui e Agora”. Nela foram ouvidas entre os dias 27 de setembro e 13 de outubro de 2010 1.100 pessoas em onze capitais, em padrões de amostragem semelhantes ao perfil populacional de cada Município e teve como objetivo identificar os comportamentos, atitudes e opiniões do brasileiro em relação ao tema meio ambiente. As conclusões do estudo são, de certa forma, surpreendentes e, ao mesmo tempo, esclarecedoras do quanto ainda temos que caminhar em prol de uma adequada cidadania ambiental.

Um exemplo: 60% dos indivíduos ouvidos manifestaram concordância com a promulgação de leis banindo as sacolas plásticas dos estabelecimentos comerciais, porém perguntados se utilizam as referidas sacolas para carregarem suas compras, 90% responderam que sim. Ou seja: apesar de grande parte da população se mostrar a favor da proibição da utilização de tais sacolas plásticas, somente deixará de usá-las quando houver uma lei impedindo sua disponibilização, o que demonstra um grande abismo entre a intenção e o gesto.

Para quem quiser consultar a pesquisa na íntegra, ela está à disposição aqui.

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Mediação Ambiental – É possível?

Não são poucas as vezes em que toco no assunto mediação ambiental e ouço a pergunta: “você acredita mesmo que isso pode dar certo?”

Em algumas ocasiões, a surpresa é a transposição do instituto da mediação para uma área onde não se destaca (apesar de algumas vezes estar presente) o caráter emocional do conflito, como ocorre, costumeiramente, nos conflitos decorrentes de relações de família. Em outras, falar em negociação e meio ambiente já causa certo impacto. Como permitir concessões envolvendo um bem que não é individual, mas de toda a humanidade? Aliás, perceber a existência de um interesse difuso, naturalmente inerente à problemática ambiental, já faz com que muitos autores atribuam enorme resistência à adoção de soluções negociadas nesse âmbito, conferindo uma nota de indisponibilidade aos bens ambientais. Veja-se o caso dos TACs: por mais que nossa legislação preveja a possibilidade de os órgãos públicos legitimados para a propositura de Ação Civil Pública firmarem Compromissos de Ajustamento de Conduta com os poluidores (Lei 7.347, artigo 5º, §6º), seu viés negocial ainda tem sido alvo de uma visão bastante restritiva, até mesmo por juristas que defendem uma natureza mais flexível desse instituto, ao aduzirem se tratar de ato jurídico cuja capacidade transacional estaria limitada aos elementos acessórios do ajuste, como o prazo de cumprimento das obrigações convencionadas.

Por outro lado, se observarmos atentamente nossa vida cotidiana, vamos identificar vários exemplos de como dispomos de recursos ambientais de uma forma – vamos dizer assim – socialmente tolerada. Vejamos o exemplo dos automóveis, onde, só por utilizá-los, já dispomos de uma parcela de ar puro, despejando uma considerável quantidade de CO2 na atmosfera. A própria legislação de trânsito prevê níveis toleráveis de “emissões poluentes”, cuja observância é aferida (ou deveria ser) no momento da vistoria periódica oficial. Será que não dispomos de uma quantidade significativa de água para nossas necessidades básicas? E o papel, que apesar de ser causa da derrubada de milhares de árvores tem resistido tão duramente às constantes inovações tecnológicas?

Alguns podem se insurgir contra tais exemplos, dizendo que em muitos desses casos há uma compensação financeira para a utilização de recursos naturais. Ora, mas se o argumento usado para resistir à adoção da mediação ambiental como método de composição de conflitos envolvendo o meio ambiente está centrado na impossibilidade serem utilizadas soluções negociadas na tutela de interesses difusos, voltados a proteção de bens indisponíveis, como dizer que estes interesses cederiam diante de uma mera contraprestação financeira?

Creio que o problema esteja na falta de caracterização do que seria esse interesse difuso relacionado ao meio ambiente. Se entendermos que o interesse difuso seja a conservação pura e simples de recursos naturais indisponíveis, de fato, estaríamos na iminência de, por exemplo, permitir que os usuários de e-readers (como o Kindle) tenham deferidas medidas judiciais com a finalidade de fechar livrarias e editoras que ainda vendam e trabalhem com livros de papel. Ou que ciclistas exijam a proibição da fabricação, venda e circulação de automóveis.

No entanto, se tomarmos, por exemplo, o artigo 225 da Constituição Federal, veremos que o núcleo do interesse difuso relacionado ao meio ambiente é, na realidade, a proteção do equilíbrio ecossistêmico, voltado à garantia do acesso a recursos ambientais tanto no presente quanto no futuro. Assim, nada impediria a utilização de recursos ambientais individualmente. O que não se admite é que tal utilização seja capaz de acarretar algum desequilíbrio no ecossistema, impedindo a auto-regeneração do meio e, consequentemente, sua utilização por gerações futuras.

Assim, chegamos a nossa primeira indagação fundamental: se uma determinada atividade é capaz de desequilibrar o ecossistema, mas, ao mesmo tempo, se mostrar necessária ao nosso desenvolvimento, o que fazer? Só há uma solução: criar soluções para reequilibrá-lo. Abram-se as portas para a mediação ambiental.

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Big Bang!

Aqui coloco a primeira pedra para a construção de um espaço destinado à troca de idéias sobre assuntos relacionados ao Direito Ambiental e aos problemas decorrentes das inúmeras tentativas de gerir o desenvolvimento humano de uma forma sustentável. Aliás, Meio Ambiente e Sustentabilidade já são termos com uma gama de significados tão ampla e diversificada que sua compreensão, por si só, já impõe certa complexidade ao tema.  De toda sorte, o objetivo da criação deste blog é fomentar discussões sobre a melhor forma de lidar com os conflitos e impasses envolvendo nossa relação com o meio natural e a importância de inserir neste discurso instrumentos capazes de viabilizar a criação de espaços democráticos-deliberativos, como a prática da mediação. Tentarei, ao longo do tempo, analisar decisões judiciais importantes, legislação de relevo, questões de concursos públicos, filmes e quaisquer acontecimentos da vida cotidiana que nos façam refletir sobre o meio ambiente. Espero, em retorno, daqueles que se dispuserem a acompanhar tais “pensamentos ambientais”, o envio de comentários, críticas e provocações, para que possamos, cada vez, mais engrandecer o debate. Sejam bem-vindos!

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